Por Fabio Satoshi Sakuda, F/X

A tarde está quente... demais. O sol fitando a Terra, queimando o cenário em tons avermelhados. O calor é tanto que a visão embaça.
E é nessa tarde que vou matar. Ou morrer.

As espadas estão afiadas, desejando sangue quente pra beber. Os olhares estão presos, acompanhando os movimentos da possível vítima ou provavel algoz. Os dois irão decidir o destino hoje.

Ele tem mais velocidade, flexibilidade. Parece feito de borracha. Balança suavemente o braço, empunhando sua lâmina, dourada de tanto conhecer a cor de entranhas. É uma arma assassina. Feita pra cortar cabeças, expor víceras e enviuvar mulheres.

Aqui, diante de meu inimigo, o motivo não importa mais. A luta é iminente, desistir é desonra, conversar é inútil. Já desembainhamos nossas ferramentas e agora precisamos dar a elas a arte.

Ainda estamos nos estudando, avaliando cada gesto, cada olhar, tentando descobrir fraquezas, perceber o íntimo pra receber alguma vantagem.

Uma folha cai de uma arvore antiga, passando por um segundo diante da visão de meu olho esquerdo. Nesse instante mínimo, eu recebo a primeira investida. Por pouco não tenho meu peito rasgado. Minha esquiva lhe deu outra vantagem. Ele gira e tenta cortar meu pescoço. Nossas lâminas se chocam e cantam.

De costas pra mim, ele me deixa com a vantagem. Meu braço se contorce, a espada aponta para o chão e depois sobe com violência. Com seu corpo ágil, ele deixa minha frustrada arma apenas com o sabor do pano de sua roupa.

Preciso de espaço. Me afasto dois passos. Os olhos fixos no inimigo. Nenhum outro pensamento que não seja a batalha. O corpo gira e encontra uma árvore. Quando ele tentar me cortar, devo ser rápido pra tirar meu corpo.

A lâmina dourada corta o ar fazendo-o assobiar. Eu salto para o lado direito, ficando de joelhos a tempo de defender o golpe que atravessara uma árvore milenar. Mesmo retendo, isso não me impede de ser arremessado, caindo deitado desta vez. Ele salta, a luz do sol atras dele me cega.

A espada corta a terra. Ele gira e consegue cortar meu braço, num ferimento profundo. Isso o satisfaz, deixa-o em êxtase. Posso ver em seu olho que todo o prazer que a espada sente passa por ele também.

Meu inimigo bebe de meu sangue, bebe como sua espada imunda.

Em fúria, eu passo a tomar mais iniciativa. A dança se inicia, dois kabukis em movimentos rápidos, girando o corpo, trançando golpes, sempre sob o ritmo ditado pelo canto do metal.

Esse ritmo é exaustivo, nenhum dos dois poderá aguentar muito mais. A questão agora é quem vai cansar primeiro.

Sua espada se choca contra a minha, de novo e de novo. Chutes e empurrões pra dar um descanso de um piscar de olhos ao corpo fadigado.

O sol fica entediado desse jogo e começa a nos deixar. O suor de nossos corpos já mostra o quanto estamos dando de nós mesmos.

É quando um fraquejo em meu joelho esquerdo me faz perder o equilíbrio. Ele tambem já está fraco demais e perde essa oportunidade. Porém, meu joelho não aguenta mais o esforço. A perna inteira o acompanha e me faz tombar.

Meu inimigo reconhece minha fraqueza e me causa mais dor. Por pouco ele não me tira o joelho cansado, junto de toda minha perna.

Isso deve ter fim. Eu abaixo minha lâmina e cravo-a no chão de areia. Meu corpo se rende a dor e começa a dizer a minha alma que a longa caminhada acabou.

O brilho dourado me parece cada vez maior. A espada faz o ar correr pesado em minha direção e eu percebo que essa é a hora de morrer. A espada bebe sangue, cantando mais uma vez, com um tom grave.

Mas não a dele. A minha.

Um pouco antes de girar sua espada, ele me abriu o peito, deixando o coração pronto pra receber meu golpe. A arma assassina cai da mão aberta antes de chegar em meu pescoço. Ela vê seu mestre tombar em meu corpo e chora de infelicidade. Inveja do sangue que jorra vermelho, quente e salgado. E então eu bebo de seu sangue, como ele bebeu do meu.

Tiro a espada de dentro do defunto e fecho seus olhos que tantas mortes já viram. Um guerreiro morreu, em luta, com honra. E sua espada vai junto, embainhada pra sempre.

Voltando pra casa, limpo meus ferimentos e minha mulher trata de me fazer os curativos. Então eu vou pra fora, sento na terra e sirvo sake. Bebo por você, minha vítima. Você, que me deu a honra de uma grande batalha. Obrigado.

Fim

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