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Ou Nao...

por Nagareru Tenshi
nagarerutenshi@yahoo.com.br

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   "Eu tenho que fazer isso."

   Com esse pensamento, ele se preparava para sair de casa. Tinha tomado um banho frio, nao que isso o tivesse acalmado. Agora vestia a roupa que tinha escolhido, ainda com o mesmo pensamento e o mesmo nervosismo. Sua calca preta, larga e a camisa em estilo indiano combinavam bem. Ele tinha pedido a avo para limpar seus tenis, e escolhido meticulosamente as bijuterias que ia usar. O colar de ametista e a pulseira azul de contas com kanjis
desenhados, que ele poderia tentar usar para dar alguma concentracao. Ou pelo menos manter o controle do corpo. Nao usaria seu aparelho ortopedico tambem, o que era melhor caso comecasse a tremer.

   Olhava-se agora no espelho. Estava bem. Apresentavel... nada alem disso. Mas iria servir. Tinha feito limpeza de pele e depilado o rosto. Em outros tempos, teria ficado se admirando. Mas agora nao tinha mais vaidade.  Arrumando os cabelos com as maos,Pegou os oculos escuros e saiu.

   Esperando o onibus, cada segundo se tornava mais angustiante que o outro. Nao que parecessem horas. Eram segundos de ansiedade a tormento. O onibus chegou. Tentando se equilibrar, porque ja sentia suas pernas tremendo, ele entrou, entregou o vale ao trocador e sentou-se num banco na frente. Olhando pela janela enquanto passava a pulseira pelos dedos, se encontrava perdido em pensamentos, a maioria ruins.

   O que tinha feito e tentaria consertar agora... e tudo o que aconteceu depois... toda a angustia, todos os desejos suicidas e a falta de coragem para realiza-los... tinha perdido o desejo de viver... e feito varias pessoas infelizes com isso. Mas agora... talvez... tudo fosse dar certo.

   Chegara a seu destino, de varias formas. Saindo do onibus, nao sem agradecer ao motorista, pegou o pedaco de papel com o endereco escrito. Sentia-se um retardado por conhecer tao mal a propria cidade... mas que fosse.

   Tomara que nao tivesse que andar muito. Nao queria suar. Esforcara-se muito para dar uma boa ultima impressao. Chegara ao predio. Ate agora nao sabia como. Estava tao perdido em si mesmo que era uma verdadeira surpresa estar ali, em vez de andando pelas ruas sem saber para onde ir.

   Suas maos tremiam, mas ainda assim conseguiu tocar o interfone. Uma voz que ele nao pode reconhecer o atendeu.

   "Pronto?"

   "A Fernanda esta?" ele disse, engasgando um pouco

   "Ta sim."

   "Eu posso falar com ela?"

   "Quem e?"

   Engoliu em seco e respirou fundo. Tomando forcas, disse, embora gaguejando

   "E o Rafael."

   A voz nao respondeu. Pouco depois, a garota descia pelas escadas.

   "Fernanda..."

   "Que foi?"

   "...eu... preciso falar com voce."

   "Ta bom. O que que e?" ela ja parecia entediada.

   "Tem mais alguem na sua casa?"

   "Minha mae."

   "Ta." Rafael acenou com a cabeca, querendo dizer para subirem as escadas.

   Quando ja tinham subido alguns andares, o rapaz segurou o braco dela.

   Sentando-se num degrau, tentava encontrar forcas. E rapido, de preferencia. Tirou os oculos escuros, colocou-os no bolso da calca e comecou, sua voz fraca, como se estivesse prestes a chorar.

   "Nan... eu quero te dizer... nao, senta aqui antes, que a historia e meio longa."

   A garota sentou-se ao lado dele. Rafael tremia visivelmente, enquanto passava a pulseira pelos dedos de novo.

   "Vai um bom tempo... quando a gente tava vendo Lain na casa do Paulo pela primeira vez, eu te beijei. Um tempo depois, quando a gente tava vendo Panico 2, de novo na casa do Paulo..." ele respirou fundo e tentou continuar, mas seu corpo nao obedecia

   "Ta, eu sei disso, Rafael." Fernanda disse, querendo que tudo acabasse rapido

   "E, mas eu preciso encontrar coragem pra dizer."

   "Ai, ai... ta."

   "...eu toquei nos seus seios. Nas duas vezes, sem voce deixar. E mesmo tendo me arrependido muito... eu fiquei um bom tempo tentando viver como se nada tivesse acontecido, porque eu achei que ia ser melhor." Rafael queria chorar,mas mesmo isso seu corpo se recusava a fazer por ele

   "Mas depois de um tempo, muito tempo alias, eu fiquei sabendo que voce tinha contado pra todo mundo o que tinha acontecido.Quer dizer... eu achei que voce tambem tava fingindo que nao tinha acontecido nada. Mas se voce nao fez isso, e porque voce tava magoada, acho." agora seu corpo tinha parado de tremer. Ainda assim, ele suava muito.

   "Eu vivi essa culpa por muito tempo... e teve alguem que me ajudou, e disse que eu devia mandar uma carta pra voce.
   ...
   ...
   E eu ate mandei, mas depois descobri que voce tinha mudado. Entao... eu continuei vivendo esse arrependimento... e eu me perdi. Eu nao parava de pensar no que tinha nem feito um segundo, eu achei que com o tempo esse sentimento ia passar, mas so aumentava. Eu cheguei a querer me matar... mas, feliz ou infelizmente, nao sei, nao consegui."

   Fernanda estava visivelmente entediada a esse ponto. Mas ela preferia acabar com esse assunto de uma vez, entao continuou ouvindo.

   "E agora... agora eu acho que vou me sentir melhor. Porque o que eu quero dizer com isso tudo e que eu nunca quis te magoar, nem desrespeitar voce. Eu te amo, te amo muito, Fernanda. E... eu sinto muito... muito mesmo, pelo que eu fiz.
   ...
   ...
   ...
   Eu nao estou pedindo desculpas... ate porque acho que eu nao mereco desculpas suas... mas eu precisava te dizer isso."

   "Entao, acabou?" ela perguntou, ansiosa para ir embora. Ja nao suportva mais ficar ouvindo aquelas lamentacoes.

   "Nao. So mais tres coisas."

   "Hm?"

   "Adeus. Eu nunca vou te esquecer."

   "E?"

   Ele respirou fundo... levantando a cabeca, olhou nos olhos dela... aqueles olhos lindos, que ele sabia que nao veria mais...

   "Voce me fez muito feliz, Fernanda."

   Com estas palavras, ele se levantou, desceu as escadas e passou pela porta, desaparecendo.

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Rafael Oliveira Brandao Barbosa, 24/12/2000

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