Diante da Morte

por Nagareru Tenshi
nagarerutenshi@yahoo.com.br

   Desde aquela noite eu tenho me sentido bem inerte. Parece que estou vendo o mundo de fora e em câmera lenta. Tudo o que tenho feito é ficar sentado escrevendo, fingindo que fazendo isso a dor diminui. Eu não sei se morri de verdade, mas pode-se dizer que sim, já que meu coração morreu e toda a comunidade médica concorda que sem um coração o ser humano não vive.

   "Toda a vida que poderia ter sido e não foi. "Manuel Bandeira, acho. Ou Carlos Drummond De Andrade. Ou nenhum dos dois. De qualquer forma, tudo o que eu tinha sonhado por dois anos, escondendo um amor que já mal cabia em mim, desmoronava diante dos meus olhos, levando parte de mim no processo. Agora eu tenho lutado para permanecer vivo, mesmo sabendo que a morte seria mais confortável, uma vez que tudo o que eu estaria fazendo é abandonando esse corpo que já me pesa arrastar pelos cantos da casa em vão.

   Não escrevo muito bem mais. Não ouço música com o mesmo prazer, as flores não têm mais beleza, as árvores muito menos, nem as estrelas. E eu que via na natureza sempre um consolo diante da angústia... E... eu não sonho mais. Nem com ela, nem com nada. Mal durmo mesmo.

   Mesmo depois de ter sido rejeitado, eu pretendia continuar amigo dela, já que antes de ter confessado que a amava nossa amizade era linda. Mas eu não tenho jeito mesmo. Acabei me afastando dela e de todos os meus poucos amigos. Terminei me recolhendo em casa esperando a morte chegar. Mas ela já chegou e agora meu corpo me prende teimosamente a essa existência angustiante e sem razão. Outrora eu podia viver de falsas esperanças, hoje nem isso tenho.

   Eu sei que isso é mais teatro da minha parte. Já passei por angústia antes, e venci. Mas antes eu não amava. Não havia ninguém que eu pudesse valorizar mais que a própria vida. Eu sei que eu poderia levantar a cabeça, sair desse quarto escuro, tomar um pouco de sol, ver que a vida ainda vale a pena.

   Mas eu não quero. Só me deixe em paz. Só me deixe terminar de morrer.